ECS 11
ECS 11 – semana 12
POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL: DESIGUALDADES SOCIAIS, ENSINO PÚBLICO E ENSINO PARTICULAR.
A comparação entre diferentes sistemas educativos levou muitos especialistas a postular a existência de um modelo universal de educação formal
Desde o começo do século passado, o desenvolvimento do sistema educativo brasileiro vem sendo marcado por relações conflitantes entre diferentes grupos sociais.
Há quatro diferentes períodos principais na história das lutas em prol da escola pública no Brasil.
O primeiro (1934-1962) é marcado, nos anos 30, pela discussão entre católicos e leigos quanto às orientações gerais da política educativa no país (Libaneo, 1985). Nos anos 50 e 60, o debate articulou-se em torno do conflito entre os defensores da escola particular e os da escola pública. Os primeiros, agrupados em torno da igreja católica, defendiam uma concepção religiosa e humanista do ensino; reclamavam até um financiamento público para a educação particular, de modo a garantir a "liberdade de escolha" dos pais. Os segundos, animados por movimentos progressistas e leigos, estimavam que apenas a escola pública estaria apta a garantir as mesmas chances educativas para todos os cidadãos brasileiros.
No plano pedagógico, esse primeiro período corresponde à introdução do pensamento pedagógico liberal no Brasil, principalmente por meio do engajamento dos pedagogos liberais em favor de uma melhor resposta à demanda social crescente por educação. Esse movimento culminou com o lançamento, em 1932, do manifesto dos pioneiros da escola nova, o qual preconizava uma universalização do ensino pelo desenvolvimento de um sistema de educação público. Esse documento considerava o ensino como uma função eminentemente social e pública (Azevedo et al., 1932). Da mesma forma, cabe assinalar a influência preponderante, no plano pedagógico, da Escola Nova.
O primeiro período acabou com a promulgação, em 1962, pelo Congresso brasileiro, de uma legislação completa sobre a educação (Lei de Diretrizes e Bases). Apesar de reforçar a escola pública no plano legislativo depois desse primeiro período, essa lei não constituiu um avanço sensível na construção do sistema público de educação. As comunidades desfavorecidas e as populações rurais permaneceram afastadas da escolarização maciça.
O segundo período, muito breve, corresponde ao surgimento do movimento de educação popular que se desenvolveu entre 1962 e 1964, graças, em particular, ao trabalho pioneiro do movimento de educação básica (MEB) e à atuação do pedagogo Paulo Freire. O debate deslocou-se, na época, do campo escolar para o da alfabetização de adultos e da educação popular num contexto político marcado por múltiplas lutas sociais.
O terceiro período teve início em 1964 com o advento do regime militar, que interrompeu brutalmente as expectativas suscitadas no país pelas campanhas de alfabetização popular. Esse regime tentou implementar uma política educativa tecnicista, centrada nos conceitos de racionalidade, eficiência e produtividade. Essa orientação, inspirada principalmente pelos acordos entre o Ministério da Educação e a Agência Americana de Ajuda ao Desenvolvimento (US-AID), foi combatida pela maioria dos educadores brasileiros, que não hesitaram em recusar o caráter autoritário do regime e de sua proposta pedagógica.
O quarto período começa no início dos anos 80 com o retorno progressivo à democracia. O debate girou, na época, em torno da democratização do ensino e da permanência das crianças desfavorecidas na escola. Várias medidas legislativas em prol da escola pública foram votadas, como a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996.
Esse sobrevôo rápido pelas condições históricas da constituição do sistema educativo brasileiro revela os principais debates ideológicos contemporâneos no país. Quase monopólio das ordens eclesiásticas nos seus primórdios, a educação formal foi progressivamente organizada pelo Estado imperial e, em seguida, pela república, para acompanhar o desenvolvimento econômico e a modernização. Entretanto, o Estado brasileiro nunca quis ou pôde controlar o conjunto do processo de escolarização de massa ao longo do século XX. O ensino particular constituiu-se progressivamente como a única opção para os filhos da elite social. Apesar de uma legislação e de um discurso político onipresentes, a rede pública padece de numerosas fraquezas qualitativas e quantitativas. O resultado atual é um sistema educativo fragmentado, organizado em redes disparates, dificilmente comparáveis entre si. Na seção seguinte, tentaremos descrever essas múltiplas redes.
O sistema educativo brasileiro progrediu muito nessas últimas décadas. Um aumento sensível das taxas de escolarização em todos os níveis de ensino (inclusive pré-escolar) e uma baixa constante das taxas de analfabetismo podem ser claramente verificados. Assim, este último baixou de 39,5% em 1960 para 20,1% em 1991 (Guimarães, 1998). No plano quantitativo e global, a situação educativa brasileira compara-se à que prevalece em outros países em desenvolvimento, mesmo se o Brasil tende a ter melhores resultados no plano econômico. De fato, na classificação internacional da precariedade dos sistemas educativos nos países em desenvolvimento, o Brasil está 16 lugares abaixo de sua posição em função do PIB (Watkins, 1999).
A estrutura do ensino público brasileiro começa com a constituição de 1824, que reconhecia o direito de todo cidadão a uma educação primária. Em 1930, criou-se um ministério da educação. A seguir, a lei de diretriz da educação de 1962 instituiu três tipos de escolas públicas (federais, estaduais e municipais). A constituição de 1988 estabeleceu a convivência das redes pública e particular. Para a rede particular, uma distinção foi estabelecida entre instituições com e sem fins lucrativos (escolas comunitárias, filantrópicas e confessionais).
. Em 1996, o ensino público fundamental acolheu 29,4 milhões de alunos (88% do total de alunos), ao passo que o ensino particular recebeu apenas 3,7 milhões. No que diz respeito ao ensino médio, os setores público e particular acolheram, em 1996, respectivamente 79,5% e 20,5% dos alunos (INEP, 1996).
A qualidade da rede pública depende da política educativa desenvolvida no plano municipal, estadual e federal.
A situação da rede particular depende dos incentivos fiscais dos poderes públicos e do grau de controle ao qual está submetido. A constituição de 1988 limitou, teoricamente, o repasse de recursos públicos para o ensino privado. Entretanto, importantes repasses indiretos ainda existem, especificamente por meio da compra maciça, pelas escolas públicas, de manuais escolares junto de algumas grandes editoras privadas (Akkari, 1999).
O ganho de potência do setor privado (em todos os níveis do ensino), único habilitado para reproduzir as elites, pode ser também constatado em outras regiões do Sul.
A fragmentação do sistema educativo brasileiro em redes de várias velocidades é uma conseqüência do fracasso do planejamento escolar. Contudo, não é pertinente deixar a mão invisível do mercado substituir-se aos poderes públicos. O Estado deve, portanto, ser o verdadeiro regulador e garante do conjunto do sistema educativo.
O discurso neoliberal atual sobre a educação é elitista. Ele justifica as desigualdades sociais e o triunfo dos mais fortes. Ele culpa os mais pobres e os docentes. Ele legitima o poder dos administradores, dos tecnocratas e dos recursos materiais (manuais escolares). Ele considera o mercado como a única racionalidade possível.
O sistema educativo brasileiro não é regido pela competição, mas pelo monopólio exercido pelas escolas particulares sobre a qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AFRÂNIO, G. Les intellectuels et la conscience nationale au Brésil. Actes de Recherches en Sciences Sociales, 98, 1993, p. 20-33.
AKKARI, A. (1999). The construction: Desigualdades educativas estruturais no Brasil: entre Estado, privatização e descentralização.
POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL: DESIGUALDADES SOCIAIS, ENSINO PÚBLICO E ENSINO PARTICULAR.
A comparação entre diferentes sistemas educativos levou muitos especialistas a postular a existência de um modelo universal de educação formal
Desde o começo do século passado, o desenvolvimento do sistema educativo brasileiro vem sendo marcado por relações conflitantes entre diferentes grupos sociais.
Há quatro diferentes períodos principais na história das lutas em prol da escola pública no Brasil.
O primeiro (1934-1962) é marcado, nos anos 30, pela discussão entre católicos e leigos quanto às orientações gerais da política educativa no país (Libaneo, 1985). Nos anos 50 e 60, o debate articulou-se em torno do conflito entre os defensores da escola particular e os da escola pública. Os primeiros, agrupados em torno da igreja católica, defendiam uma concepção religiosa e humanista do ensino; reclamavam até um financiamento público para a educação particular, de modo a garantir a "liberdade de escolha" dos pais. Os segundos, animados por movimentos progressistas e leigos, estimavam que apenas a escola pública estaria apta a garantir as mesmas chances educativas para todos os cidadãos brasileiros.
No plano pedagógico, esse primeiro período corresponde à introdução do pensamento pedagógico liberal no Brasil, principalmente por meio do engajamento dos pedagogos liberais em favor de uma melhor resposta à demanda social crescente por educação. Esse movimento culminou com o lançamento, em 1932, do manifesto dos pioneiros da escola nova, o qual preconizava uma universalização do ensino pelo desenvolvimento de um sistema de educação público. Esse documento considerava o ensino como uma função eminentemente social e pública (Azevedo et al., 1932). Da mesma forma, cabe assinalar a influência preponderante, no plano pedagógico, da Escola Nova.
O primeiro período acabou com a promulgação, em 1962, pelo Congresso brasileiro, de uma legislação completa sobre a educação (Lei de Diretrizes e Bases). Apesar de reforçar a escola pública no plano legislativo depois desse primeiro período, essa lei não constituiu um avanço sensível na construção do sistema público de educação. As comunidades desfavorecidas e as populações rurais permaneceram afastadas da escolarização maciça.
O segundo período, muito breve, corresponde ao surgimento do movimento de educação popular que se desenvolveu entre 1962 e 1964, graças, em particular, ao trabalho pioneiro do movimento de educação básica (MEB) e à atuação do pedagogo Paulo Freire. O debate deslocou-se, na época, do campo escolar para o da alfabetização de adultos e da educação popular num contexto político marcado por múltiplas lutas sociais.
O terceiro período teve início em 1964 com o advento do regime militar, que interrompeu brutalmente as expectativas suscitadas no país pelas campanhas de alfabetização popular. Esse regime tentou implementar uma política educativa tecnicista, centrada nos conceitos de racionalidade, eficiência e produtividade. Essa orientação, inspirada principalmente pelos acordos entre o Ministério da Educação e a Agência Americana de Ajuda ao Desenvolvimento (US-AID), foi combatida pela maioria dos educadores brasileiros, que não hesitaram em recusar o caráter autoritário do regime e de sua proposta pedagógica.
O quarto período começa no início dos anos 80 com o retorno progressivo à democracia. O debate girou, na época, em torno da democratização do ensino e da permanência das crianças desfavorecidas na escola. Várias medidas legislativas em prol da escola pública foram votadas, como a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996.
Esse sobrevôo rápido pelas condições históricas da constituição do sistema educativo brasileiro revela os principais debates ideológicos contemporâneos no país. Quase monopólio das ordens eclesiásticas nos seus primórdios, a educação formal foi progressivamente organizada pelo Estado imperial e, em seguida, pela república, para acompanhar o desenvolvimento econômico e a modernização. Entretanto, o Estado brasileiro nunca quis ou pôde controlar o conjunto do processo de escolarização de massa ao longo do século XX. O ensino particular constituiu-se progressivamente como a única opção para os filhos da elite social. Apesar de uma legislação e de um discurso político onipresentes, a rede pública padece de numerosas fraquezas qualitativas e quantitativas. O resultado atual é um sistema educativo fragmentado, organizado em redes disparates, dificilmente comparáveis entre si. Na seção seguinte, tentaremos descrever essas múltiplas redes.
O sistema educativo brasileiro progrediu muito nessas últimas décadas. Um aumento sensível das taxas de escolarização em todos os níveis de ensino (inclusive pré-escolar) e uma baixa constante das taxas de analfabetismo podem ser claramente verificados. Assim, este último baixou de 39,5% em 1960 para 20,1% em 1991 (Guimarães, 1998). No plano quantitativo e global, a situação educativa brasileira compara-se à que prevalece em outros países em desenvolvimento, mesmo se o Brasil tende a ter melhores resultados no plano econômico. De fato, na classificação internacional da precariedade dos sistemas educativos nos países em desenvolvimento, o Brasil está 16 lugares abaixo de sua posição em função do PIB (Watkins, 1999).
A estrutura do ensino público brasileiro começa com a constituição de 1824, que reconhecia o direito de todo cidadão a uma educação primária. Em 1930, criou-se um ministério da educação. A seguir, a lei de diretriz da educação de 1962 instituiu três tipos de escolas públicas (federais, estaduais e municipais). A constituição de 1988 estabeleceu a convivência das redes pública e particular. Para a rede particular, uma distinção foi estabelecida entre instituições com e sem fins lucrativos (escolas comunitárias, filantrópicas e confessionais).
. Em 1996, o ensino público fundamental acolheu 29,4 milhões de alunos (88% do total de alunos), ao passo que o ensino particular recebeu apenas 3,7 milhões. No que diz respeito ao ensino médio, os setores público e particular acolheram, em 1996, respectivamente 79,5% e 20,5% dos alunos (INEP, 1996).
A qualidade da rede pública depende da política educativa desenvolvida no plano municipal, estadual e federal.
A situação da rede particular depende dos incentivos fiscais dos poderes públicos e do grau de controle ao qual está submetido. A constituição de 1988 limitou, teoricamente, o repasse de recursos públicos para o ensino privado. Entretanto, importantes repasses indiretos ainda existem, especificamente por meio da compra maciça, pelas escolas públicas, de manuais escolares junto de algumas grandes editoras privadas (Akkari, 1999).
O ganho de potência do setor privado (em todos os níveis do ensino), único habilitado para reproduzir as elites, pode ser também constatado em outras regiões do Sul.
A fragmentação do sistema educativo brasileiro em redes de várias velocidades é uma conseqüência do fracasso do planejamento escolar. Contudo, não é pertinente deixar a mão invisível do mercado substituir-se aos poderes públicos. O Estado deve, portanto, ser o verdadeiro regulador e garante do conjunto do sistema educativo.
O discurso neoliberal atual sobre a educação é elitista. Ele justifica as desigualdades sociais e o triunfo dos mais fortes. Ele culpa os mais pobres e os docentes. Ele legitima o poder dos administradores, dos tecnocratas e dos recursos materiais (manuais escolares). Ele considera o mercado como a única racionalidade possível.
O sistema educativo brasileiro não é regido pela competição, mas pelo monopólio exercido pelas escolas particulares sobre a qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AFRÂNIO, G. Les intellectuels et la conscience nationale au Brésil. Actes de Recherches en Sciences Sociales, 98, 1993, p. 20-33.
AKKARI, A. (1999). The construction: Desigualdades educativas estruturais no Brasil: entre Estado, privatização e descentralização.
1 Comments:
At 3:37:00 PM, Mara said…
Simone: Fizestes um recorte de pontos interessantes para a discussão no teu grupo e para a elaboração do ensaio final. Parabéns por ter colocado as fontes de pesquisa. Por sinal, fizestes uma livre tradução do texto do Afrânio (AFRÂNIO, G. Les intellectuels et la conscience nationale au Brésil. Actes de Recherches en Sciences Sociales, 98, 1993, p. 20-33)? Profª Mara N Silva
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